“É que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas, mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros, mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça”. Essa frase é de Cora Coralina, uma das mais importantes escritoras brasileiras. Uma mulher simples, humilde e de uma sabedoria imensa. Mas pode ser atribuída a muitos de nós, que mesmo diante dos acontecimentos diários do mundo, de perto e de longe, insistimos em trabalhar por um mundo melhor.

Essa força que nos alimenta a esperança ganha impulso todos os dias. E só prestar a atenção.
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Semana passada, estava acompanhando a Orquestra Sinfônica de Santa Maria no Concerto Didático. O tema com composições de cinema contava com três convidados especiais: uma porca, um pato e um galo. Sério, o Concerto teria músicas cantadas por esses animais. E isso atraiu a criançada. As duas sessões contabilizaram mais de duas mil pessoas, a maioria crianças. Ora, quem não gostaria de ver um trio desses entoando suas vozes?
Bom, eu conheci três cantores excepcionais: a Rebeca, o Vinicius e o Gabriel. A Rebeca é uma mezzo-soprano, o Vinicius é um barítono e o Gabriel, que conta com uma voz médio aguda masculina, como disse o Abelardo, o cachorro. Sim, ainda tinha um cachorro no Concerto, e ele falava. Todos são alunos do curso de Música da UFSM.
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O que me impressionou foi o comportamento desse trio. A Rebeca emprestou sua voz para que a porca Esmeralda cantasse Habanera, da Ópera Carmen. O Vinicius cedeu sua voz médio grave ao Pato Antenor, que entoou Cavatina Di Fígaro. E o Gabriel entrou no Concerto um dia antes para emprestar a sua voz ao Galo Eliazar num lindo Sole Mio. Um guri que gosta de desafios, estudante de música e que, lá no primeiro semestre, fez canto. Corajoso esse Gabriel.
Para esse trio, eu tiro meu chapéu. Porque abraçaram a ideia de fazer algo bem diferente do que um cantor erudito faz. Porque não se importaram em ficar por trás da cortina para que o brilho fosse do boneco. Porque se divertiram junto com os bichos e mais ainda com a criançada que olhava para o palco sem piscar, encantada.
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São esses momentos que parecem tão simples e que podem passar despercebidos que fazem diferença, que nos ensinam alguma coisa num dia corrido. É essa humildade, essa coragem de enfrentar uma plateia lotada e aparecer só no final do Concerto, que faz desses músicos pessoas especiais.
Ah, o cachorro? O Abelardo é um velho conhecido dos teatros de bonecos. Divertido e com um enorme coração. A voz é do Mário de Ballenti, que há quase três décadas dá vida ao cãozinho. Eu ainda acho que o Abelardo é um cachorro de verdade. Só pode!
E como diz a mesma Cora, a Coralina, “nada do que vivemos tem sentido se não tocarmos o coração das pessoas”. Obrigado Rebeca, Vinicius, Gabriel, Esmeralda, Antenor, Eliazar, Abelardo e todos os músicos que estiveram naquele palco. Porque a vida com música é mais bonita. Sempre.